PSICOLOGIA MÉDICA

CCBS CAMPUS II

PROFESSORA: LUZIA TRAVASSOS DUARTE

Material didático

A VELHICE

Diferenças individuais

Há grandes diferenças entre os indivíduos, no que diz respeito ao ritmo e quantidade de declínio no funcionamento físico e nas habilidades mentais.

Tais diferenças parecem advir, em parte, das experiências durante a meia idade e a velhice, como

também provêm, parcialmente, das diferenças na saúde física.

Entre os indivíduos idosos aqueles que são mais saudáveis geralmente também apresentam melhor funcionamento intelectual.

Diversos autores como Riegel sugeriram que não há um declínio no funcionamento intelectual geral até cerca de cinco anos antes da morte, quando há então uma queda final no desempenho.

Veremos agora os aspectos psicossociais da velhice.

Verificamos que as alterações físicas geram as mudanças intelectuais e agora perguntamos como as mudanças físicas e intelectuais refletem-se no plano psíquico em um determinado meio social?

Vivemos em sociedade e nela desempenhamos determinado papel que influencia nossas ações e comportamento.

Dependendo da cultura em que vive o idoso ele pode ser considerado um sábio ou um inválido. Nas culturas orientais, o velho é tido como alguém que acumulou muita experiência, e é possuidor de um saber digno de respeito e admiração. Na nossa cultura, apesar de depender da educação de cada um, o velho pode ser um trambolho, um tirano, um aposentado sofredor, ou cortejado, se dispuser de boa situação financeira.

Há todo um complicado mecanismo de preconceitos contra a velhice, motivado principalmente pelas bases utilitárias e imediatistas em que está assentada a nossa civilização.

Quando o idoso pergunta-se de que forma pode ser útil, ou o que pode ainda esperar da vida, ou como pode viver, ele já se sente perdendo a sua própria identidade. Passou anos desempenhado vários papéis como filho, estudante, amigo, pai, profissional, avô, além de inúmeros outros, encontra-se agora como que abandonado, desligado, como se cometera um crime, o que é confirmado quando se pergunta o que deve fazer para ser aceito, para ser amado. Essas questões compreendem um aspecto mais profundo, pois existem os problemas de saúde, psicológicos, econômicos que influenciam na sua forma de envelhecer.

As mudanças que ocorrem com a idade são sentidas de forma própria por cada indivíduo. As adaptações podem acontecer de forma adequada, saudável ou patológica. Tudo depende de como as perdas físicas são vivenciadas psicologicamente. Envelhecer é somar todas as experiências da vida, é o resultado de todas as decisões de todas as escolhas que foram feitas durante todo o percurso da vida.

Vale a pena salientar que o medo de envelhecer presente nos jovens e nos adultos é diferente da vivência de envelhecer. A ameaça é muitas vezes pior que a realidade e este fator emocional influi no processo e na aceitação da velhice.

Adapta-se adequadamente ao processo de envelhecer a pessoa que ao longo de toda a sua existência soube se manter sensível e aberta às inúmeras mudanças internas e externas por que foi passando. Então adquiriu maturidade e vai progressivamente adaptando-se de acordo com as informações que vão chegando do próprio corpo, e do meio social respondendo na sua devida proporção sem ilusões nem desespero.

Psicologicamente a velhice é descrita como uma etapa da vida capaz de provocar depressão, sensibilidade às doenças, regressão.

Geralmente o idoso é deixado numa situação de carência de relacionamentos e de falta de estímulos, quando da redução de suas próprias capacidades de contato, faria necessária uma compensação adaptada por parte das pessoas que o cercam.

Nele são tolerados sinais de retraimento e de depressão que se ocorressem em alguém mais moço provocariam medidas terapêuticas - quimioterápicas e psicoterápicas e um maior apoio ambiental. No entanto o indivíduo mais jovem tem mais capacidade e oportunidades para encontrar por si mesmo uma saída. Esquece-se que os idosos são aqueles que mais tentam o suicídio com a probabilidade de sucesso.

Dois princípios poderiam guiar as atitudes terapêuticas com relação às pessoas idosas:

A necessidade de um contato afetivo suficiente e adaptado às necessidades, para que sejam mantidas suas capacidades de investimentos e motivações, compensando assim através de um fornecimento exterior, a redução de suas potencialidades internas.

A consciência de sua vulnerabilidade e, em função deste fato a necessidade de respeitar suas ligações e interesses, assim como as referências constituídas por seu quadro habitual de vida e por seus costumes. Toda perturbação brutal de seu ambiente é susceptível de desorganizar total e definitivamente seu funcionamento mental.

É preferível mantê-lo em casa junto a seus familiares mesmo com algum desconforto, que submetê-lo às instalações confortáveis de um asilo. Os animais e os objetos do seu mundo habitual podem ser igualmente, os portadores do seu narcisismo e de seus únicos vínculos afetivos.

Por tudo que vimos até agora não é fácil generalizar a reação da pessoa idosa frente ao processo de envelhecimento. Podemos nos referir a algumas reações diante de tal processo. Existem indivíduos que fazem uma adaptação relativa, ou seja, uma adaptação neurótica, outros que não se adaptam e alguns que se adaptam adequadamente.

Quando falamos em adaptação neurótica, vale salientar que os mecanismos neuróticos em certa medida, podem exercer uma função positiva. Uma neurose pode ser um mecanismo positivo e produtivo na medida em que é um sinal de alerta para um conflito que existe e com o qual a pessoa precisa lidar. O indivíduo tem consciência do seu conflito e acentua mecanismos de defesa do ego até reencontrar o equilíbrio. Estes mecanismos têm nestas situações uma função muito saudável enquanto defendem o ego em desenvolvimento ou que está momentaneamente ameaçado. Neurose, portanto, não é um conflito, mas permanência do conflito, o conflito não resolvido.

Dentro do ponto de vista psicanalítico, são muitos os mecanismos de defesa empregados contra o medo de envelhecer, vou mencionar alguns deles:

A Negação - é um mecanismo de defesa empregado contra a angústia, que pode ser inconsciente ou consciente. O mecanismo de negação é principalmente próprio de um ego frágil diante das pressões e impressões do mundo externo e que uma vez desafiado foge através da fantasia ou da insensibilidade.

O processo é simples, tudo aquilo que incomoda o indivíduo, o que ele não pode suportar, ele nega.

Observamos tal processo no idoso com certa freqüência. Na tentativa de "não parecer velho", ele desafia qualquer evidência em contrário. Procura então contornar os fatos reveladores do seu envelhecimento. Tinge o cabelo, apela para plásticas sucessivas, usa roupas espalhafatosas, força práticas esportivas exaustivas, só quer saber de entrosar-se com os jovens. Assim procura negar as mudanças que, apesar disso, estão acontecendo e com as quais precisa adaptar-se.

Outro mecanismo de defesa é a Restrição do Eu, uma espécie de encolhimento que o idoso faz em torno de si mesmo: frente às dificuldades externas, ele se retira de todas as situações que possam trazer-lhe o temido confronto com aquilo que é difícil de suportar. Um exemplo, é a dificuldade de aprendizagem, natural da fase e que ele generaliza, dizendo que já não pode aprender mais nada, e se recusa a novas experiências. E assim vai abandonando atividades que poderiam ser gratificantes, restringindo seu campo psicológico e de ação. Afasta-se dos contatos sociais, festas, reuniões, onde suas perdas visuais, auditivas ou de memória possam ser constatadas.

Enquanto na Negação o idoso não tem consciência do que ocorre, na Restrição ele percebe suas perdas e sofre com elas.

Um outro aspecto desse mecanismo de defesa é o do relacionamento sexual. Realmente, existem modificações hormonais que provocam alterações orgânicas com o encolhimento do tecido muscular dos órgãos genitais, certa flacidez muscular e menor resistência física. Estas causas orgânicas variam muito de pessoa a pessoa às vezes mal ocorrem. E a diminuição da atividade sexual se dá muitas vezes, mais por problemas psicológicos e tabus sociais em relação às manifestações afetivas na velhice. No entanto, o relacionamento sexual, mesmo que não seja completo, pode ser muito gratificante pelo que traz em termos de aproximação afetiva, carinho, contato físico etc.

Um outro mecanismo de defesa é o da "Identificação com o Agressor": quando alguém se sente impotente e angustiado diante de um agressor, pode ser levado a se identificar com ele. Assim se sente segura diante do que o ameaça: "não tenho medo dele, pois sou como ele". Algumas formas desse mecanismo se processam na velhice, envolvendo sentimentos de inferioridade e tentativas de compensação. É o que se verifica freqüentemente em velhos que se tornam dominadores, ranzinzas, implacáveis e avaros, porque assim, menos exigente e ameaçador parece o mundo a sua volta. Este mecanismo pode manifestar-se sob uma forma totalmente oposta em que o agressor é sentido como a própria velhice. Então o idoso se identifica com a velhice e assume obsessivamente este agressor tão forte, tão destrutivo, em busca de vantagens. Tristes vantagens: Começa a se fazer mais velho do que realmente é, para ter pena da sua própria situação, sente-se excluído mais do que os fatos demonstram: percebe-se pouco querido, pouco capaz, assumindo uma situação falsa e forçada, buscando através da comiseração, a aliança e o apoio dos outros, frente a este agressor.

Um outro mecanismo de defesa empregado é o da Racionalização, ou seja, o indivíduo procura uma explicação, coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral para uma atividade, uma ação, uma idéia, um sentimento etc... (Laplanche Pontalis). É o caso do idoso que ao sentir-se só e com menos capacidade começa a justificar-se continuamente, supervalorizando sua experiência de vida, sua sabedoria, as vantagens de estar só, de ser velho, das escolhas que fez. Percebemos que racionalizam, porque se mostram exagerados, forçam vantagens em tudo e as usam para encobrir os reais impulsos que eles não querem ou não podem admitir.

Voltemos ao início e analisemos como se comportam os Inadaptados, eles se abandonam ao processo como quem se deixa morrer, uma espécie de suicídio lento.

Assim, as mudanças orgânicas passam a ser vivenciadas como insuportáveis e o idoso prefere recusar-se à vida em vez de procurar reformular sua nova situação. Este caso é freqüente nas pessoas que superestimam uma única função em detrimento das demais, e ao perdê-la em decorrência da idade é como se não fosse possível fazer nada mais.

Nas formas de desadaptação costumam aparecer processos de somatização que podem em alguns casos ser extremamente violentos e até levar à morte. Neste processo, o idoso transforma seus medos em problemas físicos, como hipertensão, diabetes, colite ulcerativa, enfarte, asma brônquicas, enfisema, histeria de conversão nas suas diferentes formas de paralisias, cegueira etc... A hipocondria vai se acentuando de tal maneira que acaba por não admitir que o indivíduo tome parte da vida, reduzindo-a a um estado vegetativo. Embora não sejam freqüentes, esses casos extremos, essas perdas orgânicas podem ser sentidas como insuportáveis e levam ao suicídio.

Quanto ao Adaptado, é aquela pessoa que ao longo da sua existência, soube manter-se sensível às inúmeras mudanças internas e externas pelas quais foi passando.

Com a maturidade adquirida, não foge, não se fecha, não nega e vai adaptando-se, criando novas formas de atividades compatíveis com suas capacidades atuais. Desenvolvem cuidados que lhe garantam bom estado de saúde, engaja-se em formas igualmente satisfatórias de ocupação. Avalia suas limitações e a elas adapta seus hábitos.

Estas adaptações são possíveis quando o idoso tem uma percepção aguçada de si mesmo e do seu ambiente. Mantém-se aberto às novas propostas do seu meio social, e é capaz de reformular valores. Existe nela uma conformidade que representa uma adaptação dinâmica às condições reais e concretas e não um conformismo que seria estagnação, e esterilidade.

A adaptação adequada pode enfim ocorrer por etapas, mas se processa um conjunto harmônico em seus resultados finais obtidos a curto ou longo prazo. Para isso, é necessário que os mecanismos de defesa não se estruturem rigidamente, paralisando o ego em sua constante capacidade de realização e auto-aperfeiçoamento.

Entre os idosos da nossa época que têm certamente características distintas dos outros de outras gerações, há diferenças entre homens e mulheres. Para o homem é mais pesada a perda do papel profissional e da potência sexual, que a mulher não sente tanto. O que mais a faz sofrer é tudo quanto não fez, tudo o que foi aceitando sem questionar, o potencial que poderia ter desenvolvido e que só agora percebe. Não fez isso por si mesma, foi cedendo seu espaço, dedicando-se aos outros e quase anulada chega à velhice.

Acostumada a agir mais em função do que os outros esperam de si do que de acordo com suas próprias intuições. Quando só cada um sabe o que é melhor para si mesmo. Na velhice, este conformar-se às expectativas alheias é especialmente perigoso. Porque o idoso corre o risco de desrespeitar o próprio bem estar, descuidar-se de suas maiores necessidades e possibilidades para tornar-se o velho em vez de ser ele próprio. Para evitar isso, é necessário que aperceba-se de suas verdadeiras condições e vivencie de forma pessoal e intensa uma idade que é apenas uma outra fase da vida, sempre em contato íntimo com suas necessidades e aspirações.

Qual o papel do médico?

"O envelhecimento é a resposta do corpo às condições que lhe são impostas, tanto por dentro quanto por fora". (Deepak Chopra)

O ideal seria que os idosos tivessem um sistema de saúde acessível, cuidados em casa, um lar seguro, serviços legais e sociais.

Entretanto, cada vez mais freqüentemente aparece a questão dos maus-tratos, abusos e abandonos.

A violência física e os atos realizados com intenção de ferir ou provocar dor podem ser considerados maus-tratos aos idosos. Os mais freqüentes são as pancadas com objetos, causando fraturas, hematomas, queimaduras ou feridas. A literatura também inclui o abuso psicológico ou emocional como uma categoria de maus-tratos. Geralmente, o abuso físico e o emocional acontecem juntos. O abandono ou a sua ameaça é uma outra forma de abuso psicológico, assim como a apropriação de dinheiro ou bens. As pesquisas mostram no Canadá, Grã-Bretanha e Estados Unidos que a incidência da violência física alcançam 2,2%, a agressão verbal 1,1% e o abandono 0,4%. O cônjuge é responsável por dois terços do abuso, sendo os adultos jovens responsáveis pelo restante.

Alguns fatores de risco favorecem os maus-tratos:

Saúde deficiente e dano funcional do idoso - a fragilidade física sempre foi considerada o fator mais importante, entretanto, é provável que ela apenas impeça a pessoa de se defender e escapar da situação, além de aumentar sua vulnerabilidade.

Alterações cognitivas do idoso - pensamento, memória, atenção, concentração etc...

Abuso de drogas ou doença mental da pessoa responsável por seus cuidados - o idoso encontra-se em uma situação de dependência de alguém que não responde por seus próprios atos.

Dependência daquele que maltrata em relação à vítima - ou seja, o idoso corre riscos de maus-tratos quando a pessoa que cuida de si é seu dependente física ou economicamente.

Problemas de moradia - ambiente carente de segurança, higiene, conforto etc...

Isolamento social - deve ser evitado, pela necessidade de afeto, contato humano, compreensão e apoio que estimularão o idoso.

As situações que podem alertar o médico sobre a possibilidade de maus cuidados e abuso podem ser:

A demora entre a produção de uma ferida ou doença e a solicitação de atendimento médico;

Diferenças entre a história contada pelo paciente e a contada por seu acompanhante que pode ser o suposto abusador;

Explicações vagas de ambas as partes;

Visitas freqüentes ao pronto-socorro devido à piora de uma doença crônica, apesar de tratamento e medicação corretos;

Dano funcional no paciente sem responsáveis que o acompanhe;

Achados de laboratório discrepantes com a história relatada.

Todas as fontes de informações possíveis são importantes, é necessário investigar rotineiramente, se possível escutar outros familiares, vizinhos, enfermeiros ou outras pessoas que possam do paciente cuidar. Quando houver suspeita desse tipo de tratamento, é preferível interrogar o paciente individualmente. Algumas perguntas poderiam ser feitas: Sente-se seguro no lugar onde mora? Quem prepara sua comida? Espera muito tempo para receber sua medicação ou alimentação? As pessoas que cuidam de você lhe batem, insultam ou empurram? Em geral os médicos consideram estas perguntas difíceis de serem feitas, porém são a única maneira de detectar os maus-tratos.

Quanto a interrogar os supostos abusadores, é melhor que o médico deixe por conta de um profissional com experiência no assunto, como o assistente social da instituição. Caso não seja possível, nunca deve chegar a um confronto com essas pessoas, até porque pode ser mais prejudicial ao paciente.

Os procedimentos clínicos para se descobrirem os maus-tratos nesse tipo de paciente são:

A história clínica completa (forma individual) - avaliação dos fatores psicológicos, sociais, econômicos etc... Perguntar diretamente sobre as diversas formas de abuso.

Observação do comportamento - do paciente e do seu acompanhante.

Aparência geral - higiene, roupas.

Pele e mucosas - cicatrizes, hematomas, lacerações, queimaduras, úlceras de decúbito.

Sistema músculo-esquelético - procurar possíveis fraturas ocultas ou dor.

Estado neurológico e psiquiátrico - sintomas depressivos, ansiedade ou outros sintomas psiquiátricos.

Estudos por imagens ou laboratoriais.

Apoio social e financeiro.

Quando se confirma a presença de maus-tratos, o essencial é preservar a segurança da vítima e o respeito por sua autonomia. É importante separar o idoso de quem abusa dele. Em alguns casos é possível internar o paciente, embora não seja a melhor solução. Em outros, o paciente pode insistir em permanecer em seu meio e, se não houver alterações cognitivas, deve-se respeitar-lhe o desejo. Quando o paciente for capaz de decidir, os tribunais devem nomear um responsável por sua guarda que tome suas decisões econômicas e cuidados. As vítimas, muitas vezes têm medo de denunciar as condições em que vivem, por medo do agressor ou para não serem levadas a lugares especiais, o que às vezes é uma medida necessária. No entanto, se o mesmo aceita uma intervenção, deve-se estabelecer um plano de segurança, informá-lo de que os maus-tratos podem piorar com o tempo, providenciar assistência que alivie as causas dos maus-tratos.

Quando o paciente não estiver capacitado para decidir, é possível solicitar uma conversa com assistentes sociais ou denunciar o caso ao tribunal competente para designar um responsáve

 

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